´O tempo para solucionar a disputa de Chipre está a acabar´, Hugh Pope

"O tempo para solucionar a disputa de Chipre está a acabar", Hugh Pope in Público

23 October 2009
Público

Não é um paradoxo que o Presidente cipriota grego, Demetris Christofi as, num arrojo de retórica perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Setembro, tenha pedido para a Turquia um lugar no Conselho de Segurança da ONU? A aparente contradição está, obviamente, no facto de as tropas turcas ocuparem desde há 35 anos um terço da ilha mediterrânica de Christofi as - nada mais nada menos que um membro da União Europeia - apesar de resoluções da ONU a exigirem a sua retirada.

Isto é, realmente, uma anomalia. Mas também é o facto de que, em 2004, foram os cipriotas gregos que se opuseram e o lado turco que apoiou um plano da ONU que teria conduzido à retirada da maioria daquelas tropas.

Os paradoxos de Chipre não terminam aqui. O período entre então e agora oferece a melhor oportunidade em anos de quebrar o impasse de meio século em Chipre. As actuais conversações, com vista a uma solução, entre os líderes cipriotas estão a registar mais progressos do que salta à vista, de um modo geral, mas o tempo que resta para resolver estes paradoxos é curto. Em Abril de 2010, o líder cipriota turco, Mehmet Ali Talat, enfrenta uma eleição. Se não tiver sucesso na solução que prometeu para Chipre, todos os sinais apontam para que seja derrotado por um candidato de linha mais dura. Se isso acontecer, terão fracassado três décadas de esforços para reunifi car a ilha na base de uma federação bicomunal e bizonal. Para muitos, na realidade, o velho statu quo terminou em 2004, quando Chipre e a UE perderam a grande oportunidade e Chipre foi admitido na União como uma ilha dividida.

Se, até Abril próximo, as conversações não resultarem num compromisso para resolver os problemas da ilha, esta nova fase da disputa de Chipre será uma abrupta mudança de direcção no sentido de uma divisão hostil. Se os dois líderes actuais, com posições próximas, não puderem chegar a uma solução neste clima regional quase ideal, nem as Nações Unidas estarão dispostas a investir tempo, pessoal e dinheiro numa quinta ronda de negociações na mesma base.

O cinismo e a complacência signifi cam que ninguém está a levar a sério as negociações, nem sequer na ilha. Os líderes cipriotas turco e grego querem uma solução realista, mas porque Ancara e os cipriotas gregos não comunicam directamente há 40 anos nenhum deles acredita que a outra parte é sincera e nenhum quer assumir um compromisso pleno.

O fracasso em resolver (a questão de) Chipre também ensombrará os laços entre a UE e a NATO: Chipre é membro da primeira e a Turquia da segunda; no entanto, a maioria dos países da UE não tem demonstrado qualquer apoio à resolução da disputa. Os cipriotas gregos estão até a conter alguns líderes de Estados-membros da UE que vêem na disputa de Chipre uma nova maneira de pôr fi m ao processo de adesão da Turquia à União. Pior, o mundo está preocupado com a grande questão dos mísseis do Irão e da Rússia mas são Atenas e Ancara que mais estão a armazenar mísseis para o caso de crescentes fricções se transformarem numa indignada frustração. Reparem nisto: navios de investigação sísmica e canhoneiras já estão em competir por direitos de prospecção de petróleo, com a Turquia a reivindicar território clamado pela Grécia e pelos cipriotas gregos no Mediterrâneo.

Todas as partes perdem se as conversações falharem. Os cipriotas gregos vão sofrer de maior insegurança, porque as tropas turcas permanecerão indefi nidamente à porta deles e porque diminuem as hipóteses de indemnização ou restituição de propriedades. Os cipriotas turcos verão a sua comunidade disseminar-se ou ser obrigada a uma integração na Turquia. Ancara perderá o carisma regional e o boom económico de ter um sério processo de adesão à União Europeia. A UE perderá oportunidades comerciais na Turquia, sacrifi cará profundidade estratégica em disputas regionais e verá murchar o soft power que resulta de ter a Turquia ancorada num processo da UE e, consequentemente, a agir como um advogado convincente quando defende os valores europeus em reuniões com líderes do Médio Oriente.

É, por isso, no interesse da UE apoiar o processo, quer pressionando os dois líderes cipriotas, quer tranquilizando a Turquia de que a sua perspectiva de adesão continua aberta, se e quando cumprir todos os critérios objectivos de adesão à União Europeia. Também é do interesse da Turquia estar à altura da sua reputação de potência regional que faz a paz, estendendo a mão aos  cipriotas gregos e convencendo-os de que qualquer solução será aplicada com uma rápida retirada das tropas, e que a normalização daí resultante será benéfi ca e segura para todos.

Depois de mais de três décadas, todas as partes nesta disputa têm bons motivos para acreditar que têm razões absolutas. O verdadeiro paradoxo é que tantas razões só contribuíram para criar mais um grande erro.

Hugh Pope es Director do Projecto Turquia-Chipre do International Crisis Group.

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